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- DirectorMahmod AhmadRonahi EzaddinSami HosseinA documentary made by eight children from Kobani and Shengal in refugee camps on the border of Syria and Iraq, who recorded their own life experiences and stories in the wake of brutal attacks by ISIS.''Iraniano de origem curda, o diretor Bahman Ghobadi cedeu sua câmera a oito crianças que vivem em campos de refugiados nas cidades de Sinjar, fronteira do Iraque com a Síria, e de Kobani, entre Síria e Turquia, para que retratassem seu cotidiano em "A Vida na Fronteira". Assim, em oito segmentos, os jovens documentam a vida improvisada que levam após as cidades onde moravam serem invadidas e incendiadas por membros do Estado Islâmico. Vários tiveram as famílias sequestradas ou mortas por membros da organização terrorista. Entre as histórias de violência, realçadas pela idade de seus narradores, um menino é obrigado a cuidar sozinho da avó doente e da irmã mais nova, emudecida após ser violentada pelo EI. Em outra, uma mulher diz que é melhor ser morta do que permanecer sob a custódia dos terroristas, devido ao tratamento desumano a que são submetidos os sequestrados.
Ao lado de relatos desoladores, um pedido desesperado de ajuda para o Ocidente. Mais do que uma obra cinematográfica, "A Vida na Fronteira" é um importante registro histórico dos efeitos devastadores da guerra." (Carlos Carvalho)
2016 Urso de Ouro - DirectorTravis KnightStarsCharlize TheronArt ParkinsonMatthew McConaugheyA young boy named Kubo must locate a magical suit of armour worn by his late father in order to defeat a vengeful spirit from the past.''Senta que lá vem história. E das boas. O responsável por contá-la ao público é Kubo, garotinho que carrega um instrumento mágico e hipnotiza todos à sua volta quando seus origamis flutuam no ar para ilustrar a narrativa. Filmado em stop-motion –estilo de animação realizado quadro a quadro –, "Kubo e as Cordas Mágicas" é um belo presente dos estúdios Laika, (de "Os Boxtrolls, ParaNorman e Coraline e o Mundo Secreto) aos espectadores, sejam eles crianças ou adultos. Um casamento certeiro entre forma e conteúdo. Não dá para negar que, à primeira vista, a saga do menino que teve um olho arrancado pelo poderoso avô assume contornos sombrios e complexos aos pequenos. Mas não demora para que eles também se encantem –e se comovam– com as aventuras e desventuras do herói. Kubo ganha a vida contando histórias em um vilarejo costeiro no Japão. Basta tocar seu shamisen (instrumento de cordas), e as dobraduras mágicas começam a encenar batalhas épicas. Um espetáculo de cair o queixo de quem está dentro e fora da tela. Antes do anoitecer, o garoto retorna à caverna para cuidar da mãe, que alterna transe e lucidez. Certo dia, porém, ele perde a hora de voltar e acaba invocando espíritos malignos de sua família. O estrago é grande. Kubo passa a ser perseguido por duas tias macabras com máscaras kabuki assustadoras. Para escapar da fúria do avô e salvar o olho que lhe restou, o menino precisa encontrar a armadura de seu pai, o maior samurai de todos os tempos. E aí ele terá de mergulhar na própria origem, acompanhado de uma macaca sabichona e de um besouro valente e um tanto desmemoriado. Recheado de referências à mitologia oriental, "Kubo e as Cordas Mágicas" resgata a tradição oral com muita competência. A fábula sobre família, espíritos, vingança, perdão e amor se desenrola sem atropelos, por meio de uma técnica primorosa, detalhista, e de cenários deslumbrantes. A cuidadosa escolha da paleta de cores traz ainda mais beleza à animação. Arte na tela, literalmente. Então leve a sério o alerta que o garotinho faz no início do filme: Se você precisa piscar, pisque agora. Pisque antes de a jornada começar, para não perder nenhuma vírgula dessa grande história." (Marina Galeano)
- DirectorMarco BellocchioStarsValerio MastandreaBérénice BejoGuido CaprinoMassimo's idyllic childhood is shattered by the death of his mother. Years later, he is forced to relive his traumatic past and compassionate doctor Elisa could help him open up and confront his childhood wounds.''1965. O estreante Marco Bellocchio, no auge de seus 20 e poucos anos, irrompia no mundo do cinema com De Punhos Cerrados, drama sobre um jovem perturbado que vê na destruição da família a forma possível para se libertar do sofrimento. 2016. O veterano Marco Bellocchio, do alto de seus 70 e tantos anos, refaz em "Belos Sonhos" o percurso de um homem maduro que não consegue se libertar do trauma de ter ficado órfão na infância. Quem embarcar na retrospectiva, infelizmente incompleta, que a Mostra dedica ao cineasta italiano pode ter a impressão de que, entre a violência formal do primeiro longa e o apaziguamento quase clássico do último, o poder de combustão se perdeu. Outros podem identificar um elaborado processo de refinamento, no qual o cinema se depurou do excedente de mensagens e do teorismo psicanalítico que marcou parte de sua obra. Nas cinco décadas entre seu primeiro longa e o mais recente, Bellocchio compôs uma filmografia em certa medida desigual, porém incomparável, na qual reflete sobre como as derrotas tornam a história um aprendizado de desilusões. Seu cinema é, em igual medida, um mergulho na intimidade e no psiquismo, guiado pelo impulso de sondar o quanto as perdas definem o rumo que todos tomam na vida. O pessimista e melancólico Bellocchio não é, ainda bem, um devoto de nossa senhora da nostalgia. O passado em seu cinema não tem as cores exacerbadas que os cineastas italianos mais jovens gostam de usar ao imaginá-lo. Apesar de sóbrio, "Belos Sonhos" é um melodrama da mesma magnitude de Vincere, no qual Bellocchio revisitou a ascensão de Mussolini como mito coletivo enquanto pôs em cena a tragédia de Ida Dalser, a amante que se entregou ao Duce até o desvario. No novo longa, a desordem de Massimo se manifesta na forma de ataques de pânico, tema mais anedótico e superficial de "Belos Sonhos". Sua instabilidade mais fundamental, no entanto, surge no retrato da infância e da adolescência, quando Bellocchio nos deixa a sós com o personagem, permitindo compartilhar suas fugas, seu medo e sua dor. Em seu abandono, Massimo descobre o mundo como quem precisa restaurar um sentido, mas se choca o tempo todo com a opacidade e o desinteresse dos adultos por sua falta. O filme nos leva a percorrer um caminho equivalente com sua narrativa aleatória, em que os tempos se superpõem e os flashbacks não têm sentido único e explicativo. Tal como a memória, aliás." (Cassio Starling Carlos)
''Amor, família, religião, política. Sem esses elementos, não se pode entender a cultura italiana – nem o cinema de Marco Bellocchio. Desde a sua estreia, o maior cineasta italiano vivo vem modulando esses temas em variações sempre originais. "Belos Sonhos", seu longa mais recente, exibido no Festival de Cannes, filia-se a O Sorriso de Minha Mãe como uma investigação íntima da figura materna do protagonista, o garoto Massimo. No fim dos anos 1960, quando ele tem apenas nove anos, sua mãe morre em circunstâncias misteriosas. O padre tenta convencê-lo de que ela agora está no paraíso, mas a crença não é suficiente para lidar com a perda brutal. Ao longo dos anos, essa ausência vai moldar a vida do rapaz em todos os aspectos: o modo de lidar com o sexo, com a beleza (ele se torna fotógrafo) e com o amor. A culpa, motor da cultura cristã, terá papel fundamental na jornada. Ao longo dos anos, Bellocchio soube ser mais ou menos experimental em seus filmes, mas a "mise-en-scène" ficou cada vez mais pessoal, como se ele expusesse sem pudores suas angústias diante da câmera." (Thiago Stivaletti) - DirectorMarco BellocchioStarsMaruschka DetmersFederico PitzalisAnita LaurenziA sizzling, erotic thriller about a triangle between a teenage boy, an older woman an her fiance, an imprisoned terrorist, set in a world of intrigue, betrayal and erotic pleasure, from which may be no escape.
"Diabo no Corpo", o ousado filme de 1986, bem poderia ser o título da retrospectiva do diretor italiano Marco Bellocchio: essa é a marca da maior parte de seus personagens, a começar pela bela Giulia, filha de um homem morto por terroristas e noiva de um ex-terrorista arrependido. É por ela que um jovem se apaixonará ao ver a garota prestes a se jogar de um prédio. Um filme maldito por uma cena de sexo explícito, em que Bellocchio transforma o romance da mulher que trai o marido, que está no front, na Primeira Guerra, escrito por Raymond Radiguet, para aproximá-lo da Itália contemporanea. Do mesmo modo é aí que estamos em Bom Dia, Noite, que tem por centro o sequestro e assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Desarranjos pessoais, desarranjos sociais: uns e outros parecem se igualar em Bellocchio, desde De Punhos Cerrados, em que o incesto é, quase se pode dizer, norma de uma família italiana. Sexo e política já aparecem ligados em A China Está Próxima, nessa talvez comédia em que, entre outras, uma família tem um irmão socialista e um irmão maoísta... Com o tempo, muda a tocada, não as ideias: a demência pessoal e a demência social estão presentes em "Vencer" (2009), no qual um jovem Mussolini abandona e condena ao hospício a moça a quem ama e seu próprio filho em troca do poder. Uma loucura por outra. Depois desse, junto com Bom Dia, Noite um dos mais belos filmes italianos do século, Bellocchio trataria da eutanásia e de seu uso político em A Bela que Dorme. A ausência de La Condanna na retrospectiva, ainda que lamentável, não a deslustra: ela nos aproxima de um dos mais fortes cineastas italianos, ao lado de Bertolucci, da geração nascida na virada dos anos 1930 para os 1940. Por fim, não por último: além de fazer filmes, Bellocchio dedica-se a preservá-los, como presidente da Cineteca de Bolonha, um dos mais importantes centros de restauro do mundo. Homenageado com uma retrospectiva e com o prêmio Leon Cakoff e autor do pôster da 40ª Mostra (inspirado em seu Bom Dia, Noite). E isso não é tudo. O diretor italiano Marco Bellocchio também dará uma masterclass no dia 23 de outubro, no Cinesesc, às 17h30, logo após a exibição de seu último filme, Belos Sonhos.'' (* Inácio Araujo *) - DirectorAlex AnwandterStarsSergio HernándezAndrew BargstedJaime LeivaWhen his cross-dressing teenage son suffers a brutally violent attack, a mannequin-factory manager desperately seeks help and, when none can be found, is forced to take matters into his own hands. Based on a true story."O cantor chileno Alex Anwandter, ídolo pop local, recorda-se das longas cartas de um fã em especial, Daniel Zamudio. Em 27 de março de 2012, Daniel apareceu morto: o jovem gay de 24 anos foi torturado e espancado por quatro skinheads nas ruas de Santiago e não resistiu a um traumatismo craniano. Foi influenciado pelo assassinato de seu fã que o roqueiro dirigiu seu primeiro longa, a ficção "Nunca Vas a Estar Solo" (você nunca estará sozinho), com a qual saiu do último Festival de Berlim, em fevereiro deste ano, levando o prêmio do júri do Teddy, a honraria dedicada a obras de temática LGBT do evento. Mas seu filme, que estreia no Brasil dentro da programação da Mostra de Cinema de São Paulo, destoa da típica produção sobre homofobia: o foco não é a vítima em si, mas o pai dela sujeito que é assolado pela barbaridade. Cumpre dupla função, explica o diretor de 33 anos à Folha, num café da capital alemã. Eu queria me afastar da sanguinolência e enfocar o cidadão comum, aquele que, como nós, assiste a tudo e até aceita essa violência. Anwandter diz que tomou uma série de liberdades: o assassinato de Daniel é mero mote. Na trama, a vítima se chama Pablo (Andrew Bargsted) e é sete anos mais novo: tem 18. "Quis abstrair da história particular dele como forma de dizer que isso é corriqueiro, que vai continuar. Juan (Sergio Hernández) é o pai de Pablo, gerente de fábrica de manequins, distante do filho. Quando o jovem entra em coma após ser espancado, Juan tem de ser ver com a apatia de quem o rodeia --funcionários do hospital, vizinhos, advogados - e repensar a forma displicente com que se esquivou de lidar com a sexualidade do filho. O Chile é um país em que homens não podem se dar as mãos com segurança em nenhum lugar, diz o diretor. "A nação passa uma imagem de progresso, mas é atravessado pelo mesmo machismo e conservadorismo que cortam toda a América Latina." (Guilherme Guenestreti)
2016 Urso de Ouro - DirectorAna Cristina BarragánStarsMacarena AriasPablo Aguirre AndradeAmaia MerinoAlba, an 11 year old girl, has to move to her father's house due to her mother's illness. She barely knows him and sharing time with him at home feels weird. Both are shy, both feel lonely but they can't find a way to approach each other."Alba" significa alvorada, aurora. É um prenome feminino comum na América hispânica e, no filme de Ana Cristina Barragán, batiza a personagem-título. Prestes a entrar na adolescência, Alba vive não só a série de confusões comuns à puberdade como outras transições também difíceis. Acha-se no amanhecer de uma nova fase, com novidades que adivinha dolorosas. Sua mãe, com quem vive, está gravemente doente, e os paralelos entre uma e outra, na cena inicial, evidenciam a falta de cuidado a que tal situação expõe a menina de 11 anos. Na escola, ela é a desmazelada, anda despenteada, com as unhas sujas. É também mais pobre que a maioria de suas colegas, que no recreio conversam de namorados e exibem suas vaidades sob a forma de gloss labial. A doença da mãe a aproximará do pai, uma figura frágil e triste, que a acolhe compensando a falta de jeito com carinho – um afeto porém por atualizar, congelado na época da separação, quando a menina era bebê. Ao mesmo tempo, uma amizade inesperada a introduz no grupo de seus colegas protegidos que ela de longe observa. Alba é um belo filme sobre a solidão e sobre como se aprende a viver no meio dela." (Francesca Angiollillo)
- DirectorAmanda KernellStarsMaj-Doris RimpiOlle SarriÁnne Biret SombyA reindeer-breeding Sámi girl who is exposed to the racism of the 1930's at her boarding school, starts dreaming of another life. But to achieve it, she has to become someone else and break all ties with her family and culture."Sami Blood" é uma surpresa para quem se habituou a ver os países nórdicos no topo do ranking da igualdade e da justiça social. Obra de estreia da diretora Amanda Kernell, premiado em Veneza, o filme aborda a relação de racismo enfrentada pelos sami, pastores de renas da região da Lapônia, no extremo norte europeu. Na Suécia de 1930, época em que a eugenia colecionava adeptos em várias partes do mundo, os lapões eram considerados seres em um estágio mais baixo de evolução. Suas crianças estudavam em internatos criados exclusivamente para a etnia, onde falar a língua nativa era motivo de punição física, e a instrução não passava do básico. Seus cérebros pequenos não são capazes de pensar, explica a professora sueca, tentando demover a adolescente sami que rejeita sua origem e sonha seguir a mesma carreira (Lene Cecilia Sparrok, ótima). Filha de pai sami e mãe sueca, Kernell também assina o roteiro. Sua história não alcança a força narrativa do islandês A Ovelha Negra ou do dinamarquês Terra de Minas, para citar exemplos recentes, mas é um digno representante da vigorosa cinematografia escandinava."(Vera Guimarães Martins)
2016 Lion Veneza - DirectorRachid BoucharebStarsAstrid WhettnallPauline BurletPatricia IdeElisabeth lives with her daughter Elodie in Belgium. When the police inform her that her daughter has left the country to join the ranks of Islamic State in Syria, she begins to investigate.''Jovens europeus deixam atrás de si um rastro de perguntas quando se unem à organização terrorista Estado Islâmico. Por que, afinal, decidem abandonar cidades como Paris ou Londres para viajar à Síria em meio a uma guerra que já deixou 500 mil mortos? O que os atrai na militância? "O Caminho para Istambul" não se centra nessas questões ao abordar a viagem de uma garota belga à Síria. A jovem, aliás, mal aparece no longa. A protagonista é sua mãe, que ilumina um ainda obscuro recanto das histórias desses militantes europeus: o impacto nas famílias que ficam para trás. Desesperada, a mãe busca ajuda, vai atrás da filha, tenta compreender o islã –mas enxerga a filha escorrer por entre seus dedos. A ficção do argelino Rachid Bouchareb se assemelha a vários relatos verídicos de jovens que se uniram ao EI. Entre eles, o do belga Brian de Mulder. Filho de brasileira, ele se uniu aos terroristas em 2013 e foi supostamente morto em 2015. "O Caminho para Istambul" oferece uma ideia do baque sofrido por sua família." (Diogo Bercito)
- DirectorWilliam FriedkinStarsRoy ScheiderBruno CremerFrancisco RabalFour unfortunate men from different parts of the globe agree to risk their lives transporting gallons of nitroglycerin across dangerous Latin American jungle.''Historicamente, a revolução, ou renovação, do cinema em Hollywood nos anos 1960 e 1970 é colocada na conta de alguns diretores renomados, entre eles, John Cassavetes, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Tão importante quanto esses nomes foi William Friedkin, responsável por dois dos principais filmes do período, "O Comboio do Medo" Operação França, que completa 45 anos, e O Exorcista. O primeiro conquistou o Oscar de melhor filme (raríssimo para um policial); o segundo virou objeto de culto no universo pop. No entanto, o prestígio do diretor parece ter se diluído no tempo com mais velocidade que o de outros. A 40ª Mostra resgata sua importância com uma retrospectiva de sete filmes, com direito à presença do próprio cineasta. Conhecido por ser um torturador no set, Friedkin foi responsável por histórias quase folclóricas nos bastidores de Hollywood: xingava atores durante a filmagem para deixá-los no ponto que ele queria (pobre Gene Hackman), dava tiros para o alto para aumentar a tensão, despedia profissionais em uma discussão para recontratá-los no dia seguinte e, reza a lenda, chegou até a dar tapas na cara de seus astros (só três vezes, dizem)." (Sandro Macedo)
"O Comboio do Medo" Este é um filme importante na carreira de Friedkin, mas por razões pouco festivas: foi um imenso fracasso de bilheteria e prejudicou para sempre a carreira do diretor em Hollywood.Refilmagem do clássico O Salário do Medo, do francês Henri-Georges Clouzot, ídolo de Friedkin, "O Comboio do Medo" conta a história de quatro fugitivos da Justiça - entre eles Roy Scheider (Tubarão) e Francisco Rabal (ator de vários filmes de Buñuel, como Viridiana e A Bela da Tarde) - que acabam numa selva isolada em um país não identificado da América do Sul. Depois que uma explosão em uma torre de petróleo mata um monte de gente e causa um imenso incêndio, que só pode ser controlado com uso de explosivos, os quatro recebem uma missão quase suicida: transportar caminhões cheios de nitroglicerina pelo meio da floresta. "O Comboio do Medo" é um grande filme de ação, mas deu um azar danado: foi lançado um mês depois de "Guerra nas Estrelas", de George Lucas. O tom sombrio e a violência do filme de Friedkin contrastavam demais com o clima de matinê das aventuras de Luke Skywalker. O prejuízo foi tão grande que Friedkin foi despedido da Universal e passou a ter muita dificuldade para aprovar seus projetos, apesar de ter dirigido, quatro anos antes, o megasucesso "O Exorcista''. (Andre Barcinski)
50*1978 Oscar - DirectorRick BarnesOlivia Neergaard-HolmJon NguyenStarsDavid LynchLula LynchEdwina LynchArtist and filmmaker David Lynch discusses his early life and the events that shaped his outlook on art and the creative process."Se Hollywood fosse uma família, David Lynch seria o tio esquisitão. Diretor de títulos cult como Eraserhead (1977), Coração Selvagem e "A Estrada Perdida e da série de TV surrealista Twin Peaks, é um cineasta criativo e autoral. Tais características, em falta na indústria cinematográfica, fizeram com que esse norte-americano de 70 anos fosse tema de alguns documentários. O mais recente é "David Lynch - A Vida de um Artista", de Jon Nguyen. Os que buscam um documentário mais convencional sairão desapontados. O longa de estreia de Nguyen é basicamente um grande monólogo –foram 20 entrevistas espaçadas em três anos–, com silêncios que podem ser maçantes, em que as atividades do diretor como artista plástico são o fio condutor. Os mais observadores perceberão, no entanto, o quanto Lynch revela ao contar sonhos, passagens de sua infância ou inspirações para filmes. É o caso de quando se lembra de uma mulher nua ensanguentada que passa por ele na rua numa das cidadezinhas em que morou na infância. Cena parecida daria as caras décadas depois em Veludo Azul. Ainda assim, um pouco mais de contexto não atrapalharia o filme. Não há informações além do que ele fala nem referências diretas a fotos, trechos de filmes caseiros ou obras mostradas ao longo dos 89 minutos. De qualquer maneira, vale a pena. E quem ficar até os créditos será recompensado com a animação da litografia Dark Deep Darkness, do cineasta." (Sergio Davila)
"Não, "David Lynch: A Vida de um Artista" não é o documentário que elucida todos os mistérios que esse realizador-músico-pintor norte-americano espalha para tornar suas invenções tão instigantes. Sim, ''David Lynch: A Vida de um Artista" reúne um conjunto rico de informações, relatos e documentos úteis para os que cultuam sua obra e, mais ainda, para quem prefere interpretar a matar charadas. Os diretores Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm são, evidentemente, fascinados por seu personagem, mas souberam evitar o risco de replicar seu estilo peculiar. A narrativa aqui é linear e adota recursos elementares do modo documental. Lynch é mostrado ao microfone e evoca a infância, a família, os lugares onde viveu, o interesse pelas artes plásticas e conclui rememorando sua passagem das artes visuais para o cinema experimental e os cinco anos que demorou para realizar o primeiro longa, Eraserhead. Dezenas de imagens pessoais revelam que o cineasta que mais cultiva a fama de bizarro não passa de indivíduo normalíssimo. Nos filmes, fotos e recordações pessoais não emerge nenhuma situação ou trauma que justifique a inclinação de Lynch para o estranhamento. Um terceiro tipo de registro capta seu cotidiano de pintor, imerso no que Lynch chama "vida de artista". Essa rotina é o que mais desvenda aspectos da proposta audiovisual do autor de obras indecifráveis como o filme Cidade dos Sonhos e a série Twin Peaks. A superfície plana das telas é invadida, perfurada com ferramentas ou manualmente. Colar materiais, acumular elementos e textos é outro gesto recorrente. Trazer à tona o oculto e sobrepor sentidos em camadas são procedimentos complementares que Lynch extrapolou da pintura ao cinema, conquistando um público insatisfeito com os filmes que se esgotam na primeira leitura. Nesse sentido, os realizadores do documentário são fiéis ao artista que escolheram, mostrando-o de um modo que, ao mesmo tempo, ilumina e projeta sombras." (Cassio Starling Carlos)
2016 Lion Veneza - DirectorKuba CzekajStarsKacper OlszewskiAgnieszka PodsiadlikCaryl Swift11-year-old Mickey House is no longer a child. But who is he? He doesn't know. He's friendless. He doesn't understand his mother. He hates what's happening to his body. Reality and imagination come together in a toxic mix. Events escalate to extremes... at home and at school. Mickey has to find the strength within him to put a stop to what's begun. Where will his encounter with his own maturing body take him? Growing up... not for kids."O cinema polonês, representado por distintas gerações nesta Mostra, confirma a atração, mesmo de seus realizadores mais jovens, pela história próxima ou distante. Não se trata de nostalgia por tempos sobrecarregados de traumas, mas de esforços incomuns para impedir a memória de esquecer o pior. Os 13 títulos do Foco Polônia são assinados por cineastas na faixa dos 30 e dos 40 anos, com exceção do veterano Piotr Dumala, nascido em 1956. A seleção reitera que os sombrios seis anos de duração da Segunda Guerra e as décadas sob a influência soviética continuam a ser um passado que não passa. A exemplo do premiado Ida, filmes como Noite de Celebração e Ederly adotam a fotografia em preto e branco para produzir um efeito plástico que não tem nada de nostálgico. A escolha reflete um passado que ocupa uma zona cinzenta da memória. Já as cores desbotadas no impactante Aranha Vermelha ajudam a reconstituir de forma alegórica a opressão do período socialista ao narrar a trajetória de um jovem fascinado pelo poder de matar. Outros títulos recriam o passado de modos mais convencionais para abordar a reação polonesa à ocupação nazista. Klezmer trata da convivência com os judeus durante o Holocausto, cuja implantação em escala industrial ocorreu em território polonês, e Solstício de Verão analisa as mudanças nas relações entre dois jovens que passam de amigos a inimigos quando os alemães invadem o país. Quando escapam da teia da memória, os realizadores contemporâneos reivindicam o vigor de tradições que garantiram para a Polônia um lugar proeminente no mapa mundial do cinema. Entre elas, aparece o gosto pela experimentação narrativa, que faz de A Última Família uma boa aposta para quem busca novidades. Já a provocação de tipo surrealista e o humor à beira do absurdo garantem o prazer da surpresa que títulos como "Baby Bump" e A Atração podem proporcionar." (Cassio Starling Carlos)
2015 Lion Veneza - DirectorNele WohlatzStarsXiaobin ZhangSaroj Kumar MalikMian JiangA smart and innovative look at the possible futures of a young Chinese immigrant to Buenos Aires, told in the stilted language of an elementary Spanish textbook."Quem passa um tempo em Buenos Aires não tem como não notar como a cidade, na última década, encheu-se de imigrantes chineses que vêm buscar neste distante ponto do mapa uma oportunidade de trabalho. Geralmente empregam-se em lavanderias, açougues ou, de forma mais generalizada, em pequenos supermercados que, por comprar no varejo e gastar muito pouco com mão de obra, basicamente dos familiares, costumam ser mais baratos que as redes tradicionais. Vamos ao 'chino' e resolvemos, costuma ser a solução rápida e prática dos portenhos com fome, pressa ou pouco dinheiro. Mas poucos argentinos conversam de fato com eles, ou sabem como pensam. De fato, parecem duas civilizações distintas habitando o mesmo espaço físico. Só por tentar investigar a dinâmica dessas duas dimensões de Buenos Aires, o filme da alemã Nele Wohlatz, nascida em Hannover, mas já vivendo na capital argentina há sete anos, tem grande mérito. "Futuro Perfeito", premiado em Locarno, acompanha uma imigrante chinesa, encarnada por uma não atriz, Zhang Xiaobin, que acaba de chegar à cidade onde seus pais já estão empregados em lavanderias e mercados. A pressão para que encontre rápido um trabalho e pague a mãe pela passagem desde a China causa tensão na jovem de 17 anos, que mal consegue balbuciar palavras em espanhol. A trama se constrói em várias camadas. Numa, está Xiaobin, agora chamada de Beatriz, tentando aprender espanhol numa classe com outros imigrantes. Em outros planos, desenvolvem-se cenários reais ou imaginários do que poderia ser sua vida na Argentina. O encontro com um namorado indiano, o choque com os pais opressores, a proibição (descumprida) de interagir com argentinos e a vontade de ser independente vão formando seu desafio, em meio à tentativa de formar uma identidade numa paisagem tão diferente e, por vezes, hostil. Talvez por também ser estrangeira e ter tido suas dificuldades com o idioma e a cultura, Wohlatz fez um filme leve e até bem-humorado para um tema que é dramático e bastante presente, embora pareça existir apenas numa realidade paralela de Buenos Aires." (Sylvia Colombo)
''Futuro Perfeito" é uma bela ilustração das virtudes da simplicidade no cinema. Em 65 minutos, na fronteira entre ficção e documentário, com um fiapo de trama e um punhado de não atores, o filme fala com propriedade sobre temas complexos como imigração, identidade cultural e barreiras linguísticas. A diretora argentina Nele Wohlatz trabalha na chave ascética e minimalista do francês Robert Bresson, exigindo de seus atores amadores a neutralidade de expressões e gestos. A protagonista é Xiaobin (Xiaobin Zhang), jovem chinesa de 17 anos que acaba de se mudar para Buenos Aires sem falar espanhol. Na escola de idiomas, participa de exercícios que reproduzem situações do cotidiano. Ali, assume a persona da espanhola Beatriz e responder a perguntas triviais: Beatriz é atriz? Não, Beatriz é enfermeira. Ao sair das aulas, sua interação com o mundo é limitada pelo mesmo tipo de didatismo artificial das aulas. Mas isso não impede que ela consiga um emprego em um supermercado e comece um namoro com o imigrante indiano Veejay (Saroj Kumar Malik). Wohlatz explora bem tanto o constrangimento quanto a graça das falhas de comunicação - aproximando seu filme por vezes da "deadpan comedy" de um Buster Keaton, o tipo de humor seco que se faz sem mudar a expressão. À medida que o vocabulário dela evolui, seu novo mundo se alarga. Ao trabalhar com o condicional, ela consegue descrever vários futuros para si - o que permite à diretora brincar com finais diferentes. A linguagem - incluindo a cinematográfica - pode ser um fardo ou um jogo. Em seu pequeno grande filme, Wohlatz escolhe a segunda opção." (Sergio Alpendre) - DirectorCecil B. DeMilleStarsClaudette ColbertWarren WilliamHenry WilcoxonThe man-hungry Queen of Egypt leads Julius Caesar and Marc Antony astray, amid scenes of DeMillean splendor.''Em 1934, Claudette Colbert foi a mulher do ano em Hollywood. Dois filmes com a atriz arrebentaram as bilheterias: Aconteceu Naquela Noite, clássico romântico em que ela contracena com Clark Gable, e "Cleópatra". Quando o nome da rainha do Egito é citado no cinema, a primeira referência é a superprodução (superfracassada) de 1963, com Elizabeth Taylor. Mas, três décadas antes, o diretor Cecil B. DeMille fez, em preto e branco, um filme esplendoroso e com um roteiro mais consistente para as aventuras sexuais da personagem. "Cleópatra" está no volume 14 da Coleção Folha Grandes Biografias no Cinema, que chega às bancas no próximo domingo. Ganhou o Oscar de Melhor Fotografia e foi indicado em mais quatro, incluindo Melhor Filme. Na época, ninguém sabia fazer cinema popular tão bem como DeMille. Seus orçamentos milionários eram empregados em suntuosidade com apuro estético. "Cleópatra" figura ao lado de outros campeões de bilheteria do cineasta, como Sansão e Dalila, O Maior Espetáculo da Terra e Os Dez Mandamentos." (Thales de Menezes)
36*1935 Oscar / 21*1935 Globo - DirectorEmmanuel MouretStarsVirginie EfiraAnaïs DemoustierLaurent StockerAn average guy meets an actress who is more beautiful than he could ever imagine. But then a pesky girl materializes to make his life a living hell. His perfect girlfriend now thinks that he is involved with this Caprice.''O ator, roteirista e diretor Emmanuel Mouret tem um gosto por comédias sentimentais que combinam a galanteria, os gracejos amorosos, os encontros ao acaso, a hesitação. "Romance à Francesa" reafirma essa predileção. Clément (Mouret) é um modesto professor quarentão cujo passatempo principal é ir ao teatro. Espécie de dom Juan involuntário, ele conquista a mulher dos seus sonhos, Alicia (Virginie Efira), atriz algo melancólica que admirava como espectador. Contra suas próprias expectativas, Clément logo vai morar com ela. Mas nesse momento ressurge Caprice (Anaïs Demoustier), jovem que conhecera pouco antes. As duas são perfeitamente opostas: enquanto Alicia é uma diva elegante que vive numa mansão, a maliciosa Caprice é uma atriz iniciante que divide um minúsculo apartamento com uma amiga. Assim como conquistou Alicia, o tímido e desajeitado professor seduz a jovem sem saber muito bem como. Clément tenta se equilibrar entre as duas, numa sucessão de quiprocós divertidos que remetem à tradição do teatro francês. Sem compromisso com a verossimilhança, Mouret reafirma uma concepção do cinema como puro artifício e de passagem procura refletir sobre a necessidade de amar e ser amado. Mas a pretensão de atingir uma dimensão existencial prejudica o resultado. O ar deslocado de Clément, sua crônica indecisão, seus momentos de introspecção interrompidos por incidentes fazem girar em falso a tentativa de falar sobre os mistérios do amor. A ironia prevalece." (Alexandre Agabiti Fernandez)
- DirectorKim FarrantStarsNicole KidmanJoseph FiennesHugo WeavingA family's dull life in a rural outback town is rocked after their two teenage children disappear into the desert, sparking disturbing rumors of their past.''As vantagens e desvantagens de quem quer mostrar de uma só vez tudo que sabe influenciam o resultado de "Terra Estranha". Em seu primeiro longa de ficção, a australiana Kim Farrant aposta na saturação e no elenco renomado para se diferenciar. O roteiro se baseia em não ditos, evidências da moral deformada de uma família que, em busca de um recomeço, muda-se para um vilarejo onde o passado não a alcance. Os sinais de distúrbios se manifestam no sorumbático comportamento do garoto Tom e na hipersexualização da adolescente Lilly. Quando os dois desaparecem, o desespero dos pais se embaralha com os desejos escondidos em uma ordem social marcada por preconceitos e com mesclas de folclore místico. O mistério oferece ao filme motivos para uma primeira parte mais climática, na qual o espaço do deserto e a luz abrasiva se contrapõem aos comportamentos soturnos. O desdobramento da trama, no entanto, introduz a necessidade de demonstrações psicológicas e, com isso, a diretora precisa transferir seu primeiro investimento nas imagens para o trabalho dos atores. Enquanto Nicole Kidman não consegue se livrar da máscara do papel que lhe deu um Oscar, Joseph Fiennes nunca chega a ser mais expressivo do que uma porta, e apenas Hugo Weaving abre vantagem com seu aspecto reptiliano. O desequilíbrio do conjunto evidencia a má influência do cinema de David Lynch sobre jovens cineastas que confundem referência e reverência, o que impede ver se há estilo sob o mimetismo." (Cassio Starling Carlos)
2015 Sundance - DirectorAndrzej WajdaStarsZbigniew ZapasiewiczEwa DalkowskaAndrzej SewerynA famous Polish journalist presents a problem for the powers-that-be when he displays his full political skill and knowledge on a television show featuring questions and answers on a world conference by a panel of journalists. His enemies take away his privileges when he is away. The shock of being "unwanted" parallels a deeper disappointment in his private life: his wife has an affair with a jealous young rival, and after 15 years of marriage and two daughters wants a divorce. She offers no explanations as he tries to untie these problems himself. All the moves he makes are the wrong ones. He takes on drinking heavily with students eager to attend his seminar after discovering the class has been canceled. The journalist, once suave and commanding is reduced to silence."A retrospectiva de 17 filmes de Andrzej Wajda ganhou ainda mais relevância com a morte do diretor polonês no último dia 9. Os 56 títulos de sua filmografia se imbricam tanto com as intempéries históricas da Polônia que deixaram de ser apenas filmes para se tornar documentos.
Apesar de incompleto, o recorte traz a fundamental trilogia da guerra, composta por Geração, Kanal e Cinzas e Diamantes", na qual a influência do neorrealismo italiano pauta a sincronia dos filmes com a vida. Wajda se impõe com uma visão dissidente da política e a fortalece com o rigor na construção das imagens. O conjunto O Homem de Mármore, "Sem Anestesia" e O Homem de Ferro reafirma a crença do diretor em um cinema não limitado a refletir a realidade, mas capaz também de provocar mudanças. Além desses títulos balizados, a retrospectiva permite reconsiderar o alcance de seu projeto de escrita da história, praticada com brilho em Cinzas, O Casamento e Terra Prometida antes de sucumbir aos próprios excessos em Danton. Se o conjunto da obra pode dar a impressão de um cineasta convencional até demais, "Tudo à Venda" demonstra como o diretor aproveitou o momento modernista do cinema para refletir sobre o que fazer quando tudo perde a importância." (Cassio Starling Carlos)
1978 Palma de Cannes - DirectorJoão BotelhoStarsJoão BotelhoMariana DiasAntónio DurãesAn old photograph taken 36 years ago. His hand rests on my shoulder. A blessing, a gift.Then a history of over four decades of friendship, admiration and apprenticeship. A journey into Oliveira's cinema, his method, his way of filming and his extraordinary cinematographic inventions."Em "O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu", esse eu diz respeito a João Botelho, diretor do documentário. Ele já foi chamado de subOliveira, não sem razão. Mas uma vez que o diretor português Manoel de Oliveira era um gigante do cinema, a alcunha não é desonra porque um subOliveira pode ser grande. Com quase 40 anos de uma carreira irregular, mas com ótimos momentos, Botelho pode muito bem falar na primeira pessoa de sua relação com o cinema de seu maior mestre. E quem não entender como essa relação pode ser rica também não vai entender por que a imagem de uma árvore tomada de um carro em movimento é valiosa por nos fazer perceber como essa árvore se modifica conforme a vemos de ângulos diferentes. Porque o cinema de Oliveira, por mais palavroso que seja, é, sim, pura imagem. E também a imagem pura, simples, e ainda assim inventiva. Passeamos por obras-primas e filmes recentes de Oliveira. Em todos ecoa a frase de Botelho: Oliveira nunca fez filmes, fez cinema. Nos minutos finais, Botelho apresenta um pequeno curta realizado por ele a partir de uma história de Manoel de Oliveira. Não deixa de ser um encerramento coerente." (Sergio Alpendre)
''Logo no início, o jovem João Botelho aparece numa foto ao lado de Manoel de Oliveira. É esta a imagem tutelar de "O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu". Botelho teria então uns 30 anos. Oliveira, de 70 para mais. Botelho fazia seu primeiro longa, o belo Conversa Acabada (1981), que evoca os grandes poetas portugueses do século passado, Fernando Pessoa e Sá Carneiro. Oliveira começava então a se tornar conhecido nos círculos cinéfilos europeus. Fazia um papel no filme de João Botelho, o que era uma forma de sacramentar a relação mestre/discípulo entre ambos. Daí, o documentário aparecer tão claramente como uma homenagem a Oliveira disfarçada de aula de cinema. Ou vice-versa. A primeira metade do longa é dedicada a uma parte dos filmes, à biografia, às dificuldades encontradas ao longo da carreira, a anotações sobre o prazer de filmar em estúdio, a ensinamentos a que nenhum fã de cinema (ou, mais ainda, cineasta) deveria ficar alheio. Tomemos, não ao acaso, uma das lições de Oliveira: não é preciso gastar dinheiro filmando de todos os ângulos. Basta filmar de um. Desde que seja o certo! Um conselho apenas aparentemente óbvio. Encontrar o ângulo certo, a posição correta da câmera, implica todo o pensamento sobre o filme. Tomemos, por exemplo, Palavra e Utopia, o filme sobre o padre Vieira, que ora está no Brasil, ora em Portugal. Com apenas dois planos, um indicando o trajeto de ida, outro o de volta, Oliveira representa as viagens do pensador luso-brasileiro. Com um gesto apenas, Oliveira soube ali, como em tantas outras ocasiões, ser ao mesmo tempo econômico e sintético. E economia não é um fator secundário para quem filma em Portugal, sempre com recursos limitados. Botelho esquadrinha e analisa nessa parte do filme tanto a natureza dos filmes como a difícil história de Oliveira - em especial, durante a ditadura Salazar. O próprio Oliveira fala dos momentos de grandes dificuldades financeiras. No geral, temos a trajetória, em várias dimensões, de um artista não apenas notável mas que atravessou todas as eras do cinema: do mudo ao digital, do preto e branco ao Dolby Stereo. É ao mudo, aliás, que regride João Botelho, quando leva à cena uma história que Oliveira lhe conta. Não é desmerecer o talento de Botelho dizer que essa segunda parte do filme poderia ser até suprimida. Não por ser indigna do mestre ou coisa assim. Não por ser vulgar ou insignificante. E sim, talvez, por percebermos ali que falta algo sempre afirmado por Oliveira, por palavras ou silêncios, gestos ou imagens: a pessoalidade. É a primeira parte, o documentário, que torna a visão de "O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu" indispensável.'' (* Inácio Araujo *) - DirectorKore-eda HirokazuStarsHiroshi AbeYôko MakiSatomi KobayashiAfter the death of his father, a private detective struggles to find child support money and reconnect with his son and ex-wife.''Uma senhora, viúva há pouco, conversa com a filha na cozinha sobre a inconveniência de fazer novos amigos na velhice. Uma vizinha reencontra, na rua, um antigo colega de escola, que se transformou em escritor e está por ali para recuperar objetos na casa do pai morto. Logo saberemos que ele é filho daquela senhora e que seu relacionamento com a irmã não é lá muito amigável. O casual e o fortuito são recursos com os quais Hirokazu Kore-eda constrói seus filmes, que assim atraem um público disposto a se encantar por histórias que projetam graça sem se preocupar em mostrar algo excepcional. A característica mais notável de seus filmes é o sentimento de familiaridade. "Depois da Tempestade" é semelhante ao conhecido que revemos uma vez por ano na Mostra, que toda vez parece estar um pouco diferente, mas que em pouco tempo de conversa confirmamos ser o mesmo. Como os tufões, um evento tão recorrente que os japoneses aprenderam a tratar sem sobressaltos. Também como as disputas domésticas, situações que atrapalham durante algum tempo e depois passam sem deixar mágoas. Por isso, no novo filme de Kore-eda, o temporal é passageiro e o que se passa dentro de casa ganha tanta importância. Trata-se de uma herança não apenas do cinema de Yasujiro Ozu, de seus dramas minimalistas sobre pais e filhos, mas de uma filiação mais ampla com o "shoshimingeki", gênero que o cinema japonês pratica para retratar com graça realista os distúrbios no cotidiano da classe média. A dificuldade maior aqui não é representar os terremotos, mas registrar os tremores, ou seja, dar importância ao imperceptível. Para isso, Kore-eda explora os espaços reduzidos das moradias, coloca a câmera na mesma proximidade que os personagens têm de conviver e se interessa pelo que se passa entre eles. Captar as posições e razões de cada um dá ao cineasta condições de assegurar a impressão de neutralidade do ponto de vista. Como a senhora Yoshiko aguentou tantos anos de convivência com um marido cheio de vícios? Por que Ryota não abandona sua fracassada trajetória como escritor? Se o filme parte desse tipo de problema, não faz nenhum esforço para dar respostas. No entanto, essas questões é que dão vida e espessura aos personagens de Kore-eda, permitem que ele filme o banal sem cair na irrelevância. O que assistimos em "Depois da Tempestade" é muito semelhante ao que protagonizamos no dia a dia. A diferença é que, projetados no cinema, os dramas mínimos que quase não percebemos ganham a devida atenção." (Cassio Starling Carlos)
2016 Palma de Cannes - DirectorIvan I. TverdovskiyStarsAleksandr GorchilinMasha TokarevaNatalya PavlenkovaMiddle-aged zoo worker Natasha still lives with her mother in a small coastal town. She is stuck and it seems that life has no surprises for her until one day - she grows a tail and turns her life around.''Dizer que algum filme não deveria existir é demasiadamente forte. Mas certos filmes chegam muito perto de merecer esse tipo de afirmação. É o caso de "Zoology", segundo longa de Ivan I. Tverdovsky, incrivelmente vencedor do prêmio especial do júri no tradicional e prestigiado Festival de Karlovy Vary, na República Tcheca. Natasha é uma mulher de meia idade que mora com a mãe, uma fanática religiosa, e trabalha em um zoológico numa pequena cidade no litoral russo. Suas colegas de trabalho parecem saídas da antessala do inferno, tamanha a disposição delas para os atos mais vis e cruéis. Num belo dia, Natasha descobre que um rabo cresceu em seu corpTalvez ela preferisse se transformar numa barata, tal Gregor Samsa em A Metamorfose. Mas sua história é menos trágica. Ela até passa a aceitar o apêndice. Apaixonada pelo médico que a examinou, ela atravessa um período de felicidade com ele, dançando e se divertindo com a hipocrisia da sociedade ao redor. Em uma sequência inacreditável de tão ruim, as pessoas fogem de Natasha como se ela fosse uma assombração. Poderia ser uma fábula sobre a aceitação do outro, na linha de Nasce um Monstro, de Larry Cohen. Ou uma crítica à sociedade russa atual, como em Leviatã, de Andrey Zvyagintsev. Isso se não fosse filmado de modo tão indigente, com cenas que demonstram uma ideia completamente infantil da humanidade (não cruel, como em Fritz Lang, nem questionadora, como em Buñuel). A câmera na mão não sabe bem o que mostrar. Movimenta-se o tempo todo e não olha para nada. Os cortes são aleatórios, não respeitam o tempo das atuações. "Zoology" é mesmo um dos três ou quatro piores filmes que vi este ano. Uma aula de como não se fazer cinema." (Sergio ALpendre)
- DirectorPhilippe LesageStarsÉdouard Tremblay-GrenierPier-Luc FunkVassili SchneiderA young boy begins to experience the adult world as he enters adolescence.''Os Demônios" é o primeiro longa-metragem de ficção do documentarista canadense Philippe Lesage. Já nas primeiras imagens percebemos estar diante de uma obra com uma força estranha. Crianças fazem exercícios num amplo ginásio. A câmera cria recortes de seus rostos, corpos e movimentos, enquanto uma música solene dá um ar especial à cena: seriam essas crianças os demônios do título? Contudo, somos logo introduzidos a um protagonista: Félix (o excelente Édouard Tremblay-Grenier, que no cartaz do filme parece um pouco a Linda Blair em O Exorcista - terá sido proposital?). Nós o seguiremos em diversos momentos: na piscina da escola, na sala de aula, no quarto com seus carrinhos, entre familiares e amigos, tentando se enturmar com os amigos do irmão mais velho, entre outras atividades comuns a um menino de sua idade - dez anos. Lesage mostra uma Montreal ensolarada de subúrbio, com as casas de classe média alta servindo de ambientes para os encontros e desencontros de Félix. O tempo é indefinido, mas tudo nos leva a crer que estamos nos anos 1980. Entre os adultos, as coisas não vão muito bem, o que afeta o protagonista e seus irmãos. Mas "Os Demônios" é um filme que busca entender o inferno da pré-adolescência, com as dúvidas e as descobertas difíceis de serem processadas - a homossexualidade, a Aids, a paixão por uma menina bem mais velha. No estilo, lembra a frieza de Elefante, de Gus Van Sant. E, em muitos momentos, o tom é semelhante ao de "Mate-me Por Favor", o delicado longa de estreia de Anita Rocha da Silveira. Por trás dessa sociedade sólida, rica, aparentemente perfeita, há no entanto algo de podre, e o mundo que Félix tem à sua frente está longe de ser idealizado. O filme está cheio de pontas soltas, no que parece uma operação consciente. Longe de ser uma falha, essa estrutura mostra a complexidade da vida, não exatamente pelo olhar do protagonista, embora por vezes se submeta a ele. Lesage, obviamente, aborda a ficção com o olhar de um documentarista, o que ajuda a romper com essa frágil divisão. O diretor faz, na verdade, um belo retrato das crueldades relativas à infância." (Sergio Alpendre)
- DirectorJeffrey G. HuntStarsSarah HylandSteven KruegerJustin ChonFour friends on their way to Coachella stop off in Los Angeles to tour true-crime occult sites, only to encounter a mysterious young runaway who puts them on a terrifying path to ultimate horror.''Tome liberdades com o Diabo: E os chifres dele logo aparecem, alerta a citação no início de "Satânico". A frase do poeta romântico britânico Samuel Coleridge aparece em meio a imagens de um culto demoníaco e a cenas de diabinhos infernizando humanos em filmes antigos que afirmam o longo parentesco do cinema com as artes do demo. Essas evocações na abertura de "Satânico", no entanto, nada inspiram o primeiro longa de Jeffrey G. Hunt, que não se trata de um inábil estreante, pois já dirigiu dezenas de episódios de séries de TV. Chloe, David, Seth e Elise viajam nas férias para curtir o festival Coachella, na Califórnia. No caminho, resolvem fazer um pouco de turismo macabro em Los Angeles. O roteiro inclui espiar a casa onde a atriz Sharon Tate e um grupo de amigos foram sacrificados pelos seguidores de Charles Manson em 1969 e se hospedar num quarto de hotel onde ocorreu uma morte extrema. Quando se envolvem com uma garota estranha, as portas do inferno se abrem e o Demônio em pessoa vem demonstrar que não existe curiosidade inocente. A vontade aqui é se afastar do pornoterror e fazer um filme que resolve o baixo orçamento com soluções que pretendem sugerir em vez de exibir o horror por meio de efeitos que custam caro. Isso, porém, exige mais habilidade do que somente destacar ruídos na trilha sonora para provocar sustos. A opção de pouco mostrar e de reduzir os sofrimentos das vítimas aos gritos também frustra quem busca emoções fortes. Se Sarah Hyland (da série Modern Family) com a boca costurada no cartaz pode parecer um convite ao extremo, a imagem representa muito mais a situação do espectador que chega ao final e não encontra palavras para descrever tamanha porcaria." (Cassio Starling Carlos)
- DirectorBarbet SchroederStarsMarthe KellerMax RiemeltBruno GanzJo has come to Ibiza to be a DJ in the club Amnesia. He befriends a solitary woman who's trying to forget her past. As Jo draws her into techno music, Martha puts everything she had previously lived by into question.''Alguns filmes têm como força motriz o relato centrado nos pequenos encontros, nos gestos e detalhes que revelam certa beleza quase inacessível a visões desatentas. Nesses filmes geralmente temos dois movimentos: a) apresentação dos personagens e das situações; b) a procura pela intimidade dos personagens, buscando revelar o que está no âmago de suas ações e reações. "Amnésia", de Barbet Schroeder, não foge a esse modelo. Mas executa bem apenas o primeiro movimento. No segundo, tropeça, porque percebemos que a crise da personagem principal não valoriza o longa. Martha Sagell (a veterana suíça Marthe Keller) é uma alemã que vive isolada em Ibiza, com uma vista paradisíaca e visita de alguns amigos esporádicos. Ali aparece um novo morador, Jo Gellert (o ator alemão Max Riemelt), DJ que pretende discotecar no clube Amnesia. Martha e Jo iniciam uma amizade muito forte, que a qualquer momento pode se tornar também sexual, apesar de Martha ser muito mais velha que ele. Imaginamos a raiz do comportamento dessa mulher enigmática. Ela abomina o Volkswagen de Jo e se recusa a falar alemão. O problema, logo adivinhamos, tem a ver com um passado triste, que deixou fortes marcas. Um encontro será fundamental para que esse passado retorne: Jo recebe seus avós, Bruno (Bruno Ganz) e Elfriede (Corinna Kirchhoff), e os leva para encontrar Martha, numa sequência filmada de maneira bem frouxa. Mais do que uma ode à amizade e ao amadurecimento, "Amnésia" é um filme indeciso entre o drama das pequenas coisas da vida (em que ele vai bem) e o acerto de contas com o passado (no qual vai mal)." (Sergio Alpendre)
- DirectorBrillante MendozaStarsJaclyn JoseJulio DiazBaron GeislerMa' Rosa has four children. She owns a small convenience store in a poor Manila neighborhood where everybody likes her. To make ends meet, Rosa and her husband Nestor, resell small amounts of narcotics on the side. When they get arrested one day, Rosa and her children are ready to do anything to buy her freedom from the corrupt police.
''Dá até um pouco de nervoso, no começo, tanto as situações de "Ma'Rosa" lembram uma grande cidade brasileira: falta troco no supermercado, o táxi se recusa a levar a cliente aonde ela precisa ir. Ma'Rosa é uma senhora gorda, com chinelos de dedo, dona de uma vendinha numa favela (ou algo assim). Com o tempo o nervoso diminui, vira um pouco de vergonha: nos conformamos à ideia de que as Filipinas são mesmo meio parecidas com o Brasil - ao menos no que diz respeito à pobreza nas grandes cidades. Se não é, parece que é, pois a mise-en-scène de Brillante Mendoza em tudo e por tudo faz lembrar um documentário, desde o uso quase permanente da câmera na mão - uma câmera ágil, nervosa, por vezes incômoda, capaz de perder o foco e depois recuperá-lo- até a interpretação, em que tudo soa natural. A história de Ma'Rosa também não é tão distante, aliás, do que acontece aqui no Brasil: ela tem uma venda que, além da função convencional, serve como ponto de drogas. Um pequeno comércio nesse próspero ramo, diga-se, o que não impede a polícia de invadir o local e prender ''Ma'Rosa'' e seu marido. O crime de tráfico de entorpecentes nas Filipinas é, como se sabe, considerado gravíssimo. Donde decorre uma corrupção policial de iguais proporções. É em torno dessa corrupção, no caso sob a forma de extorsão (pague tanto para que eu te livre a cara), que gira o filme em boa medida. Também aqui não estamos assim tão longe do modo de funcionamento da polícia entre nós. Mais genericamente, temos aqui um filme sobre modos de vida e sobrevivência da pobreza. Da opressão mais ou menos permanente pelas forças da ordem à troca de favores como forma de superar as dificuldades do cotidiano (sem falar das traições e desentendimentos) - não há cena no filme que se passe em Manilla e não se aplique a São Paulo (ou provavelmente a qualquer grande cidade do Terceiro Mundo). Certo, não se trata de assunto inédito no Brasil. No entanto, é preciso notar que Mendoza trabalha muito bem os elementos que tem em mãos. Primeiro, em termos de roteiro, não congestiona a ação com elementos contingentes: centra fogo em uma família, em um caso particular. Segundo, adota a forma documental como recurso para nos levar ao interior da vida de cada um dos envolvidos, e nisso é muito eficiente. Por fim, o uso da câmera na mão serve para reforçar a completa transparência a que o filme aspira. Se lembra bastante algum cinema brasileiro com características semelhantes, ressalte-se que a câmera de Mendoza não sai a perseguir personagens enlouquecidamente: apenas finge que o faz, de tempos em tempos. A força do filme não vem da originalidade, mas de uma execução precisa. Do desejo de mostrar um ponto de vista sobre uma situação e de revelá-la pertinente. Será difícil dizer que Mendoza não chegou a isso.'' (* Inácio Araujo *)
2016 Palma de Cannes - DirectorNabil AyouchStarsLoubna AbidarAsmaa LazrakHalima KaraouaneA group of women in Morocco make a living as prostitutes in a culture that is very unforgiving toward women in that profession.''Ousadia é a primeira e mais forte impressão produzida por "Much Loved". O longa dirigido por Nabil Ayouch retrata o cotidiano de garotas de programa em Casablanca com tamanha franqueza que, logo depois de ter sido exibido no Festival de Cannes em 2015, o filme foi proibido no Marrocos. O governo do país alegou que o filme comete grave ultraje aos valores morais e à mulher marroquina e atenta contra a imagem da realeza. Além da habitual turbulência nas redes sociais, o diretor e Loubna Abidar, única atriz profissional do elenco, receberam ameaças de morte lançadas por conservadores e extremistas. À primeira vista, "Much Loved" é um retrato da condição feminina numa sociedade muçulmana e representa temas que já não surpreendem tanto, como a submissão, a exploração e a repressão a que as mulheres, sobretudo, estão sujeitas por força da lei e da religião. O modo despudorado como "Much Loved" expõe a sexualidade das garotas contrasta com a imagem sempre velada do feminino que o mundo islâmico projeta. Já a força repressiva e agressiva da clientela masculina e a exploração feita pelas famílias das garotas complementam o contexto. Ao focalizar a exceção na figura dessas mulheres que se prostituem e, por isso, são postas à margem, o filme, no fundo, denuncia o fundamento social, independentemente de gêneros, implicado no ideal moral e teológico de sujeição. "Much Loved" mostra como isso vale tanto para as mulheres quanto para os homens, que se obrigam a cumprir papéis de virilidade e de desempenho sexual que nem sempre correspondem ao desejo. A qualidade de "Much Loved", contudo, não depende apenas da representação do sexo, mas emerge também na atenção que dá aos corpos e às nuances nos comportamentos. Entre uma noitada e outra, o filme se concentra nas atitudes das garotas na intimidade, registrando o modo relaxado delas em casa, quando se cuidam e se protegem, mas podem também se agredir em disputas de poder. Essa ambivalência também surge na construção de imagens de acordo com o que se espera delas – a puta, a amorosa, a recatada – e se explicita no uso do hijab, usado para dignificar a mulher e que ajuda a mascarar um tipo de vida considerado inaceitável. Por meio desses subterfúgios, "Much Loved" consegue revelar mais do que a nudez, que, de fato, está ali mais para desmascarar o moralismo." (Cassio Starling Carlos)
2015 Palma de Cannes / 2016 César - DirectorMischa KampStarsGijs BlomKo ZandvlietJonas SmuldersA sexually awakening gay teen athlete finds himself in a budding relationship with his mutually attracted relay race teammate.''Um excesso de pudor ronda a cena. Em "Boys", drama da holandesa Mischa Kamp sobre dois garotos que se apaixonam, a câmera chega muito perto dos corpos, mas recua ao sentir o primeiro sinal de atração, como se envergonhada de explorar a tensão entre os personagens ou imune ao encanto desses belos rapazes. Essa reticência, exacerbada pela lentidão no desenrolar do conflito central da história, talvez servisse de metáfora para as dúvidas que atormentam a descoberta da sexualidade, mas acaba esgarçando demais um enredo que deslancha frágil, ancorado em atores despreparados, talvez mais adequados para as passarelas de moda do que para o cinema. Sieger, um esportista de 15 anos está treinando para o campeonato nacional de revezamento quando o imprevisÃvel Marc passa a integrar a equipe de maratonistas. O dois ficam amigos e Sieger desenvolve fortes sentimentos pelo amigo, até descobrir que Marc também esta apaixonado por ele. Sieger, vivido por Gijs Blom, e Marc, personagem de Ko Zandvliet, habitam o subúrbio blindado dos comerciais de plano de saúde, com um frondoso bosque à beira de um lago, sorveterias mil, cachorros e criancinhas fofas. Está claro que a única ameaça a essa harmonia entediante vem do desejo que de repente passam a sentir um pelo outro. De repente, porque nada no olhar, nos diálogos – com pretensão de profundidade, mas fraquíssimos – nem na direção dá a entender que existe entre eles qualquer fiapo de tensão sexual ou interesse –até que acontece um primeiro beijo. Não parece haver também nenhum sinal de que o romance entre os dois seja algo condenável ou capaz de despertar a violência alheia. É interno o conflito que move toda a ação. Mas Kamp não traduz isso em imagens, a não ser pela forma frouxa como conduz as cenas, sem desejo, sem vontade, sem sexo, sem sal, sem graça. Em tempos pornográficos, inebriados pela velocidade do sexo mediado por aplicativos, talvez "Boys" quisesse ser um contraponto, mais delicado, sutil. Mas essa delicadeza em excesso acaba por desidratar o filme, que irrita mais do que seduz, padecendo de outro mal contemporâneo – a falta de glúten, açúcar, tesão." (Silas Matri)